" URBANIDADES
Liberta de pesos recentes, entrego-me à luz radiosa de uma Lisboa fervente de calor, encalorada ainda pelos amigos que me vieram surpreender. O fastio e o tédio, ou aquele spleen de que falava o António Nobre tinham tomado posse das minhas vontades. Nem o horror, numa noite destas, fria e tardia, me tinha acordado. O passeio que então eu fiz pela noite da cidade, saída de um autocarro quase vazio e cheio de silêncios, ali pela Praça da Figueira, vagueando à procura de pensamentos, enquanto me confrontava com os dormentes das portas e dos vãos das igrejas, fora revelador - vi aquilo que não quizera ver até então, mesmo à minha porta, pelas meias noites da vida : pessoas enroladas em cartões e jornais, com uma manta rasgada pelos pés ou a tapar a cabeça, para se não verem os rostos, garrafas vazias pelo passeio, sacos de plástico com restos de esmolas. Oprimida, arrastei-me até um metro próximo, para me levar para casa. O sono apagaria a memória. Hoje, o sol relembrou-me a vida, que se sente nos passeios e nas gentes com quem me cruzo. Às 4 da tarde, lá me meti no transporte para os correios e para os amigos, morrendo entalada em gente que abarrotava e perguntando-me que empregos, que trabalhos eles teriam para estarem cá fora àquelas horas, ouvindo as risadas e as conversas do futebol e da política, sim que isto da Câmara de Lisboa dá dichotes em todo o lado, aqueles ladrões são tudo o mesmo, só querem é sacar, só querem é tacho. Voltei à escrita, já noite, para me embalar no sorriso do encontro dos amigos, sonhando já com o dia que aí vem.
Lisboa, aos 17 de Março, a preparar outro dia"
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uma surpresa (agradável) este blog!
ResponderEliminarNa construção, ainda, dos meus dias, falta-lhe o "As Vozes em Ti", que tanto estimo, para se encerrar um ciclo. Aqui voltarei, para me anichar na escrita que me conforta. Cá nos reencontraremos.
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